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Quais as perspetivas de futuro para o setor da construção?

Publicado em 18.04.2023
José Martos - Negócios

Em Portugal ainda há uma procura muito mais forte do que a oferta e isso vai dificultar que os preços baixem consideravelmente nos próximos anos, afirma o CEO da Saint-Gobain Portugal.

Em alguns países já se identificam quedas nos preços da habitação, mas em Portugal isso não deverá acontecer, quer porque a diferença entre a oferta e a procura é grande, quer porque os custos continuam a subir.

Esta é a perspetiva de José Martos que considera que, para resolver o problema da habitação em Portugal, tem de existir "uma parceria entre o público e o privado" que vá do licenciamento à construção. Além disso, diz, "há uma falta de mão de obra tão grande que pode ser um ponto bloqueador para construir mais".

Em entrevista integrada no projeto Negócios Sustentabilidade 20|30 e que pode ser ouvida na íntegra em podcast, nas "Conversas com CEO", o presidente executivo da Saint-Gobain Portugal fala das mudanças que o setor está a viver, antecipando que o futuro passa pela construção industrializada e modular.

A liderar um grupo em Portugal que emprega mais de 700 pessoas e conta com 13 empresas,10 fábricas e ainda um centro de investigação e desenvolvimento em Aveiro, considera que não se atingirá a neutralidade carbónica sem descarbonizar o parque habitacional.

  • A construção tem um impacto muito significativo no planeta. Como é que pode ser o futuro do setor?

De facto, 40% das emissões de CO2 na União Europeia vêm dos edifícios, com 12% na fase de construção e 23% durante o seu uso. Se os governos querem atingir a neutralidade carbónica em 2050 têm de descarbonizar o parque habitacional.

Não há hipótese de chegar lá sem descarbonizar a habitação. A Saint-Gobain, que visa ser líder mundial em construção sustentável, está a trabalhar em duas áreas. Por um lado, na construção nova, onde estamos na transição de uma construção muito mais pesada, com foco em betão e tijolo, para uma muito mais leve, com madeira, aço estruturalmente leve, placas de gesso, com isolamento...

  • E quando poderemos assistir a essa nova construção?

Há tendências muito fortes que vão condicionar a forma como vamos construir. Uma é essa construção leve. A segunda é o uso eficiente dos recursos naturais.

A circularidade, ou seja, utilizar resíduos para reinvestir nos processos de construção, é crítica. E há um terceiro fator que é a falta de mão de obra, um problema estrutural. A nossa pirâmide populacional está a inverter-se, há menos pessoas novas a entrar no mercado de trabalho.

E o setor da construção, se calhar, não é o mais atrativo para as novas gerações. Isso faz com que tenhamos de procurar construir de forma mais eficiente e industrializada, para conseguir dar resposta à procura tão forte de habitação no país.

  • E como é que se vai fazer isso?

Fornecedores de materiais de construção, grandes empreiteiros e promotores imobiliários estão a reavaliar como reestruturar esta cadeia de fornecimento para serem muito mais eficientes. A construção industrializada vai ser um fator chave nos próximos anos.

Nós, por exemplo, estamos a integrar as nossas atividades de imateriais de construção para fornecermos soluções integradas, seja de fachadas ou coberturas, que no futuro também poderão ser pré-montadas.

  • O que está a fazer para reduzir as emissões de CO2?

Nas nossas atividades em Portugal temos três tipos de emissões. As fábricas, como são mais transformadoras no "scopel", têm emissões relativamente pequenas, mais ligadas à frota, e estamos a trabalhar numa transição para veículos elétricos e híbridos e com empilhadores a gás.

Nas emissões de "scope 2" (causadas indiretamente), já estamos a comprar 100% de energia verde em Portugal. A parte onde podemos ter mais influência é no "scope3" (na cadeia de valor), muito ligado aos materiais. Por exemplo, nas fábricas de argamassas temos um consumo de cimento muito elevado e estamos a olhar para resíduos que podemos reincorporar e substituir o cimento.

Reduzimos o cimento, diminuindo a pegada carbónica, mas também temos a circularidade por reutilizarmos resíduos. Um exemplo é um produto de colagem de cerâmica, o webercol flex lev, que utiliza 30% de matéria reciclada de borracha de pneus e precisa também de menos material. Reduzimos a pegada na produção, mas também no transporte porque é preciso menos para fazer o mesmo.

  • E já há outros exemplos?

Estamos a trabalhar na recolha do casco do vidro para reincorporar no nosso forno e processo de fabricação. Temos um novo produto, onde reciclamos 70% de vidro utilizado, e conseguimos reduzir a pegada carbónica em 40%. Há muito trabalho de investigação e desenvolvimento, de procurar novas matéria-prima dentro do conceito de circularidade.

  • Esta circularidade depende do tratamento de resíduos, em que Portugal está atrasado. É um fator de estrangulamento para essa estratégia?

Efetivamente, há um problema, mas também uma oportunidade incrível. Um dos grandes desafios é encontrar o "middle player", que pode fazer o tratamento do produto para ser reutilizado em grande escala nos processos industriais. É um negócio que nos interessa.

Estamos a olhar como oportunidade para utilização nossa, mas também como negócio.

  • A Saint-Gobain tem um projeto de impressão 3D com a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) Que contributo pode ter para a construção?

Ainda não sei e por isso temos um projeto com a FEUP que tem duas partes, uma para desenvolver argamassa para impressão 3D, para o qual contribuímos com uma impressora 3D de grande escala para fazer testes e módulos. Mas também estamos, com a FEUP, a analisar o mercado e ver onde se pode aplicar a impressão 3D.

Há experiências na Europa onde já têm sido "impressas" moradias. Pessoalmente, acho que este modelo de negócio ainda não está pronto para ir para o mercado de forma massiva, para construir moradias.

  • Portugal tem um problema na habitação. Como é que podíamos aumentar a oferta de casas no curto prazo?

Temos aí um desafio imenso. Em 2022 tivemos 170 mil transações de casas e foram construídos cerca de 22 mil fogos, ou seja, foram transacionadas cerca de oito casas por cada uma que foi construída. Há uma enorme diferença entre a procura e a oferta. A única forma de estabilizar um pouco esses preços é criar mais oferta.

Como fazer isso um dos grandes desafios. Tem de haver uma parceria entre o público e o privado para encontrar soluções para todo o processo, do licenciamento à construção.

A construção industrializada é também importante, porque poderíamos acelerar o processo, mas há uma falta de mão de obra tão grande que pode ser um ponto bloqueador para construir mais.

  • Então não vê como eficaz o que o governo anunciou do pacote habitação?

Não vou fazer avaliações políticas. O Governo deveria transmitir mais confiança aos investidores estrangeiros. É importante para o setor imobiliário que o investimento chegue a Portugal.

  • Quanto tempo é que se podia poupar se houvesse essa colaboração entre os privados e o Governo?

Grande parte da poupança estaria na fase de licenciamento, porque um projeto de construção está a levar anos a licenciar. O que também é um risco para os investidores. E se depois tivermos uma construção mais estandardizada, modular e industrializada, poderíamos poupar imenso tempo.

  • Portugal é um dos países com piores indicadores de conforto nas habitações. Como é que se poderia resolver este problema?

Em Portugal, só 15% das casas foram construídas nos últimos 20 anos e têm melhor desempenho energético.

Penso que o Governo tem de entender melhor como é que as ajudas têm de ser implementadas, já que 40% da perda energética numa habitação é feita pela envolvente. Senão conseguimos isolar a envolvente do edifício, grande parte da energia vai embora. E o Governo está a incentivar muito mais a troca de componentes, como o ar-condicionado ou a bomba de calor.

Os incentivos deveriam estar muito mais dirigidos para melhorar as fachadas, as janelas e as coberturas. Seria muito mais eficiente energeticamente.

É um tema que, com a Associação da Argamassa de Portugal, estamos a tratar com a Secretária de Estado, contribuindo com as nossas ideias para reorientar os apoios do Fundo Ambiental. Vamos ver. Vão sair novos apoios e esperemos que as nossas conversas tenham sido ouvidas. 

  • Estão envolvidos em algum projeto do PRR?

Estamos envolvidos num consórcio liderado pela Bosch, que já foi aprovado e está a começar.

A Bosch está a trabalhar muito em equipamentos e na Internet of Things (loT). Estão muito mais focados na parte de gestão ativa da eficiência energética, - como armazenamos energia e como gerimos a temperatura ambiente -, e nós na parte passiva - a envolvente do edifício, a fachada, a cobertura.

Penso que hoje não há ninguém que tenha uma abordagem global sobre esta gestão energética de forma que possa medir efetivamente o desempenho de uma habitação.

  • A guerra, a inflação e os seus efeitos são o nosso problema atual. Que impacto está a ter no vosso negócio?

O ano 2022 foi muito desafiante porque os custos energéticos dispararam para níveis que nunca imaginámos. Tivemos grandes problemas com a inflação e falta de matéria-prima.

A situação está a começar a estabilizar um pouco, ainda que quando olhamos para os custos energéticos, por exemplo, no caso do gás, ainda é mais do dobro do que era antes da crise. E há processos industriais onde o gás não é fácil de substituir.

Estamos a trabalhar ativamente para sermos mais independentes energeticamente, a instalar painéis solares nas nossas fábricas. E o grupo anunciou há dias que tinha conseguido fabricar vidro na Alemanha com 30% de hidrogénio como fonte de energia.

  • O ano de 2023 será melhor?

Neste momento, o setor da construção ainda tem muitos projetos em marcha. Para nós, está a arrancar com boas perspetivas. O desafio está nesse equilíbrio que o Banco Central Europeu tem de fazer entre inflação, crescimento e taxas de juro, que é uma equação que não é fácil. 

  • Começam a surgir os primeiros sinais de redução dos preços no imobiliário noutros países. Mas o seu cenário para Portugal não é esse?

Em Portugal ainda há uma procura muito mais forte do que a oferta e isso vai dificultar que os preços baixem consideravelmente nos próximos anos. Além disso, se olhamos também para o custo dos fatores, como matéria-prima, mão-de-obra, impostos e o terreno, nenhum deles está a mostrar abrandamento. Neste momento, vejo uma pressão inflacionista na habitação em Portugal.

  • Como é que esta guerra na Europa afetará as estratégias ambientais, sociais e de governação?

Há um ano e meio a energia era algo quase grátis para nós. E isto pode mudar. Gosto de ver isto como a pirâmide de necessidades de Maslow.

Primeiro temos de fornecer eletricidade. Há uma segunda fase em que essa energia tem de ter um custo competitivo. E depois há uma terceira fase, em que temos de assegurar que as emissões sejam zero.

Temos de ter o cuidado de não inverter essa pirâmide, em que a prioridade passe a ser as emissões, que faça com que algumas pessoas e empresas não consigam ter a energia que precisam.

A Europa tem um desafio importante para encontrar essa neutralidade carbónica sem depender da Rússia.

  • Mas sem provocar danos na economia? A Europa tem de ser prudente nesta transição?

Sim, temos de ser prudentes.

José Martos, CEO da Saint-Gobain em Portugal in Jornal de Negócios.